#18 - November 2022
Esteban King Álvarez on Rodrigo Hernández' I Am Nothing (Dinosaur) (2016)
Rodrigo Hernández
I Am Nothing (Dinosaur)
2016
oil on wood
25 x 30 cm
unique
EN
Rodrigo Hernández, the avant-gardes and the Jurassic period
Since the first time I saw it, I had the impression that Rodrigo Hernández’s work has a close relationship with the historical avant-gardes. In his paintings and drawings, in his environments and installations, in his mobiles and sculptures, and even in his architectural interventions, I have seemed to find echoes —or, better still, direct allusions— to the dynamic compositions of the Futurists, the Russian constructivism, the post-cubist sculptures, the neoplasticism of Piet Mondrian and Theo van Doesburg, the Orphism of the Delaunay couple, the polyangularity of Siqueiros, the masks of Germán Cueto, the kinetic art...
But there is a painter which I almost always relate to his paintings: the metaphysical and surrealist Giorgio de Chirico. In fact, I think that Hernández has resorted on more than one occasion to those dreamlike and somewhat enigmatic landscapes —which in turn remind me of the poetry of Xavier Villaurutia— to situate his characters (although sometimes I doubt whether it is the same character all times, the anthropomorphic being that appears with some regularity in his works). In any case, if every work of art is heterochronic —that is, that brings together multiple layers of time within itself, always waiting for a future in which to be resignified— the temporal arrow of Hernández's work points towards the artistic movements of the 20th Century.
However, recently, when I was checking out his artistic portfolio, I was surprised to find in one of those dreamscapes, not the character that runs all through his work, and not even a mannequin or a statue, but... a dinosaur! Specifically, one of those long-necks portrayed in profile, turning back, motionless, as if about to continue its path through the strange architecture.
The title of the piece is I am nothing (Dinosaur) (2016), and I keep wondering who’s nothing: whether the dinosaur, the painting, or the artist. Why this existential affirmation, which seems to tend towards darkness? Could it be that the dinosaur looks back because he knows that his time is over and that now he is just a represented being? Could it be that the painting wants to tell us with irony, and clearing up all enigmas, that in reality it is itself the one that’s nothing? Or is it perhaps that the artist suddenly casts a glance into the immemorial abyss of time, back to the Jurassic era, and bereaved affirms: I am nothing.
The questions into which this small painting plunge me, suddenly become a kind of trance, a mesmerizing vertigo that works like a mirror reflecting time and leads me to think of an equally unfathomable future, millions of years away from now where neither dinosaurs, nor historical avant-gardes, nor contemporary art, and nor even the memory of humanity matter anymore.
I then realize that there is still another possibility: that it could be oneself, that it may be me —who writes these lines—, or it may be you —who reads them— the one who, anguished by the pressure and magnitude of time, between the metaphysical landscape and the Jurassic period, between the Mesozoic period and the avant-garde, feels the fatal sentence of the painting on one's own body and declares: I am nothing.
At this moment I feel a great empathy with the extinct dinosaur, and I remain contemplating it in its oneiric, imaginary, but deeply palpable space. And the conclusion becomes inexorable: we are nothing!
That, I sense, is the hidden truth that Rodrigo Hernández portrays with simplicity and beauty in this work.
Esteban King Álvarez (México City, 1986) is researcher, art historian and curator. He holds a BA in History and a MA in Art History from the National Autonomous University of Mexico (UNAM). His work focuses on modern and contemporary art and its relationships with music and literature. He has developed projects that interwove sound, archive and writing from the perspective of art history and contemporary art. He has written several articles in books and art catalogues, among others: “Strindentism and Urban Imaginaries” for the catalogue Avant-garde in Mexico, 1915-1940 (National Museum of Art, 2013); “New narrative strategies: the works of Salvador Elizondo” for the catalogue Defying stability: artistic processes in Mexico, 1952-1967 (MUAC, 2014) and “Sonorama. Art and technology from hi-fi to MP3” for the catalogue Sonorama (Museo Universitario del Chopo, 2014). He is curator of the collective exhibitions Transcripciones (Museo Universitario del Chopo, 2014), Una red de líneas que se intersecan (ESPAC, 2016) and La nueva onda del silencio (El cuarto de máquinas, 2017), among many others. From 2012 to 2015 he was curator and chief researcher at the Museo Universitario del Chopo, and from 2015 to 2019 curator and editor at ESPAC, Espacio de Arte Contemporáneo.
PT
Rodrigo Hernández, as vanguardas e o período Jurássico
Desde a primeira vez que o vi, tive a impressão de que o trabalho de Rodrigo Hernández tem uma relação estreita com as vanguardas históricas. Nas suas pinturas e desenhos, nos seus ambientes e instalações, nos seus móveis e esculturas, e mesmo nas suas intervenções arquitetónicas, pareceu-me encontrar ecos - ou, melhor ainda, alusões diretas - às composições dinâmicas dos Futuristas, ao construtivismo russo, às esculturas pós-cubistas, ao neoplasticismo de Piet Mondrian e Theo van Doesburg, ao orfismo do casal Delaunay, à poliangularidade de Siqueiros, às máscaras de Germán Cueto, à arte cinética...
Mas há um pintor que quase sempre relaciono com as suas pinturas: o metafísico e surrealista Giorgio de Chirico. De facto, penso que Hernández recorreu em mais de uma ocasião àquelas paisagens oníricas e algo enigmáticas - que por sua vez me lembram a poesia de Xavier Villaurutia- para situar as suas personagens (embora por vezes duvide que seja sempre a mesma personagem, o ser antropomórfico que aparece com alguma regularidade nas suas obras). Em qualquer caso, se cada obra de arte é heterocrónica - isto é, que reúne múltiplas camadas de tempo dentro de si, sempre à espera de um futuro no qual se possa ressignificar - a seta temporal da obra de Hernández aponta para os movimentos artísticos do século XX.
Contudo, recentemente, quando estava a verificar o seu portfolio artístico, fiquei surpreendido por encontrar numa dessas paisagens de sonho, não a personagem que percorre todo o seu trabalho, e nem sequer um manequim ou uma estátua, mas... um dinossauro! Especificamente, um daqueles pescoços longos retratados em perfil, voltados para trás, imóvel, como se estivesse prestes a continuar o seu caminho através da estranha arquitectura.
O título da peça é I am nothing (Dinosaur) (2016), e continuo a perguntar-me quem não é nada: se o dinossauro, o quadro, ou o artista. Porquê esta afirmação existencial, que parece tender para a escuridão? Será que o dinossauro olha para trás porque sabe que o seu tempo acabou e que agora é apenas um ser representado? Poderá ser que a pintura nos queira dizer com ironia, e aclarar todos os enigmas, que na realidade é ela própria o que não é nada? Ou será talvez que o artista de repente lança um olhar para o abismo imemorial do tempo, de volta à era Jurássica, e afirma de luto: Eu sou nada.
As questões em que esta pequena pintura me mergulha, transformam-se subitamente numa espécie de transe, uma vertigem hipnotizante que funciona como um espelho que reflete o tempo e me leva a pensar num futuro igualmente insondável, a milhões de anos de distância do presente, onde nem os dinossauros, nem as vanguardas históricas, nem a arte contemporânea, nem mesmo a memória da humanidade importam mais.
Percebo então que existe ainda outra possibilidade: que possa ser eu próprio, que possa ser eu - quem escreve estas linhas-, ou que possa ser você - quem as lê - quem, angustiado pela pressão e magnitude do tempo, entre a paisagem metafísica e o período Jurássico, entre o período Mesozóico e o vanguardista, sente a frase fatal da pintura no próprio corpo e declara: Eu não sou nada.
Neste momento, sinto uma grande empatia com o dinossauro extinto, e continuo a contemplá-lo no seu espaço onírico, imaginário, mas profundamente palpável. E a conclusão torna-se inexorável: nós não somos nada!
Essa, sinto, é a verdade oculta que Rodrigo Hernández retrata com simplicidade e beleza nesta obra.
Esteban King Álvarez (México City, 1986) é investigador, historiador de arte e curador. Tem um BA em História e um MA em História da Arte da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM). O seu trabalho foca-se em Arte Moderna e Contemporânea e as suas relações com música e literatura. Ele desenvolveu projetos qeu misturam som, arquivo e escrita da perspetiva da história da arte e arte contemporânea. Escreveu vários artigos em livros e catálogos de arte, entre outros: “Strindentism and Urban Imaginaries” para o catálogo Avant-garde in Mexico, 1915-1940 (National Museum of Art, 2013); “New narrative strategies: the works of Salvador Elizondo” para o catálogo Defying stability: artistic processes in Mexico, 1952-1967 (MUAC, 2014) e “Sonorama. Art and technology from hi-fi to MP3” para o catálogo Sonorama (Museo Universitario del Chopo, 2014). É curador das exposições coletivas Transcripciones (Museo Universitario del Chopo, 2014), Una red de líneas que se intersecan (ESPAC, 2016) e La nueva onda del silencio (El cuarto de máquinas, 2017), entre muitas outras. Entre 2012 e 2015 foi curador e investigador-chefe no Museo Universitario del Chopo, e entre 2015 e 2019 curador e editor no ESPAC, Espacio de Arte Contemporáneo.